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Exposição | Lugares que já foram indústrias e memórias de Almada




Exposição coletiva
Carlos Marques da Silva - Conceição Arsénio - Fernando Alves - José Barata  - José L. Guimarães - Maria  José Rafael - Sónia Cabrita - Patrícia C. Teixeira
21 de novembro a 18 de dezembro
Inauguração | 21 de novembro 17h00
Sala Multiusos | Biblioteca FCT NOVA

Vídeo: Gregório Cabrita
Texto:  João Monteiro

Estabelecida a convergência de sentidos, o conjunto dispersa-se em magnéticas incursões, onde cada fotógrafo, focalizado e guiado por pontos mais ou menos distantes, estabelece rotas subjetivas e deambulantes que se entrecruzam na captura física do espaço. Esse bailado de perspetivas, orientado pela pulsão de cada olhar, procura decifrar o passado vivido no estaleiro através da exígua apreensão do seu presente.

O espaço representado

Uma portaria de caixilhos sem vidros liberta espaços por onde as brisas de Cacilhas e alguns gatos se esgueiram, vigiados por um plátano que à entrada faz honras de atalaia.

A compor a entrada estão as catracas, reguladoras do caudal humano a cada turno, no girar das suas manivelas, agora ferrosas e supérfluas tal como a eterna âncora fundeada à sua frente.
Protagonizando o átrio a norte, uma floresta de choupos docilmente descontrolados emerge nas taliscas da calçada dando-lhe a forma das suas raízes.

Uma balança sem saúde para aferir cargas perdeu parte da cabine e, ali perto como em todo o estaleiro, dispersos grupos de tubos e válvulas emergentes do chão, libertos de pressão sugerem os
vaporosos sopros sibilantes do passado, mais notados em dias invernosos.

No sentido da Piedade tudo é desordenado pela renúncia dos homens aos lugares: ervas e musgos resilientes ao fibrocimento dos telhados, estores enviesados nunca mais subidos, uma escada semi decomposta pendurada no vazio, caleiras, calhas, portas, rampas e bidons, serviços disto e daquilo, gabinetes, argolas e alçapões, tudo adereços de um plateau industrial, sem atores e sem guiões.

Na caldeiraria, pavilhão imponente onde era natural a escala dos traços de lemes e anteparas, o robusto chão de cimento parece gravado por colossais goivas que lhe marcaram os impactos do aço e do trabalho, como se de madeira branda se tratasse. No seu embrenho, caleiras e fossas negras a cheirar a óleo são camufladas por tampas de ferro empenadas, que fazem ecoar os passos intrusos.

A caminho do rio, a nascente, brotantes do chão, grupos de varões roscados apontados ao céu formam uma hirta seara e, adiante, sobre a comporta que divide em duas a doca e as marés raptadas ao Tejo, atinge-se a península formada por uma cordilheira de pavilhões gémeos. O caos no seu interior perfila-se com o circundante, tubos de queda escorrem ferrugem, o odor a quadros e cabos que já foram elétricos, emana como se tivessem ardido ontem. No chão, puzzles de vidros quebrados e baralhados misturam-se com parafusos, perfis, grelhas, limalhas e terra negra.
Jazem mecanismos, comandos, bancadas mancas e oscilam projetores suspensos por um triz. Aqui, os sinais da contestação mantêm-se, assumem agora a forma de grafitti e de arte urbana, tomando o lugar dos apelos sindicalistas do passado.

Situada na mesma ínsua, não foi há muito tempo que na esmerada torre administrativa, se deixou de ouvir o ruído das cartas e dos contratos batidos à máquina, em parte, sufocado pelas alcatifas que ainda revestem corredores e gabinetes. Os elevadores e o ar condicionado contrastam com as empinadas escadas das gruas e plataformas e com o calor dos maçaricos de corte, revelando as naturais e distintas sujeições humanas ao trabalho.

Contíguo ao Serviço de Pessoal nos balneários recheados de pedra lioz, não restam bancos, armários ou cabides que suportem capacetes, ganga suada ou biqueiras de aço. Estão vazios e neles se misturam o eco e o silêncio restando somente pegadas de lama seca, bacias e lavatórios de centro a lembrar pias batismais, onde o pó da granalha e da tinta seca vindos da pele se depositavam.
A norte da entrada, uma esquelética torre metálica que iluminou serões e decapagens, pejada de holofotes e plantada numa lezíria de cimento, jaz vergada fazendo agora uma forçada vénia ao mar
da palha.

Adiante, até Cacilhas, a doca 13 emoldurada por um corrimão metálico que à distância configura uma faixa de renda, foi o leito de muitos achacados gigantes dos mares que repousaram nos seus picadeiros. A icónica e imponente grua em forma de pórtico, imortalizada estrutura que ancorada nas suas margens, manobrou costados e cargas impossíveis, permitindo às gentes de Almada fazer flutuar o seu aço pelos mares de todo o mundo.

A mescla interpretativa e representativa das imagens colhidas no estaleiro e materializadas em fotografia, resulta das diferentes relações que cada fotógrafo estabelece com o lugar em causa, quer seja ao nível simbólico, conceitual, ideológico, abstrato ou outro. Dos lugares que já foram indústrias de Almada, a Margueira, antigo estaleiro naval da Lisnave em Cacilhas, é aqui representado com a transversalidade inerente ao pluralismo de uma visão de conjunto, enriquecida pela subjetividade de cada artista.

  João Monteiro
outubro 2018








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