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(Re)Visiting NYC| Vídeo

 




Este vídeo da autoria de João Pinto (AKA PTV) mostra uma seleção de outras fotografias de Nova Iorque, não incluídas na exposição New York: ‘A Monument to a City’. 30 fotografias, itinerante em quatro American Corners Portugal, entre 2017 e 2018 (Diana V. Almeida).




Diana V. Almeida // dianavcalmeida.com

Começou a dar aulas no Ensino Superior em 1997. De 2007 a 2020, lecionou na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (FLUL), nas áreas de Arte Contemporânea, Cultura Visual, Estudos de Género e Literatura Americana. No pós-doutoramento estudou representações da corporalidade e do desejo em poesia e fotografia contemporâneas, tendo implementado uma proposta de escrita criativa no Museu Coleção Berardo (Lisboa, CCB). É investigadora integrada do CEAUL (Centro de Estudos Anglísticos da ULisboa), e tem publicado artigos científicos em revistas e antologias nacionais e estrangeiras.

Fez curadoria de várias exposições afetas a colóquios e também de obras de alunos de licenciatura e pós-graduação. Concebeu algumas performances culturais, entre elas “Em Roda das Árvores” (Alameda da Universidade, 25 set. 2019, 8h-20h), um evento paralelo ao congresso Breaking Boundaries: Academia, Activism and the Arts (FLUL, 25-26 set.) e “Árvore dos Desejos” (Jardim do Átrio Principal, FLUL, 12 abr. 2018, 10h-14h).

Como fotógrafa, participou em mostras coletivas e realizou várias exposições individuais, entre elas New York: ‘A Monument to a City’. 30 fotografias, itinerante em quatro American Corners Portugal, entre 2017 e 2018. 

Encontra-se agora em transição, com enfoque plural: escrita criativa e desenvolvimento humano (Escrever o Coração); Kundalini Yoga (Professora Certificada KRI); poesia (conta publicar o seu primeiro livro em breve!); terapias energéticas (Afinar o Coração); tradução (já traduziu Eudora Welty, Dylan Thomas e Edith Wharton, entre outros). Continua a desenvolver projetos fotográficos, entre os quais destaca Retrato Sagrado e Corpo Vivo: Ritual de Fotografia com Grávidas.

João Pinto (AKA PTV) - realizador, editor & manipulador de imagens 
Concluiu a Escola Superior de Cinema em 1993. 
Tem colaborado com inúmeros criadores na área da dança contemporânea, da música, do teatro e do cinema — Aldara Bizarro, Edgar Pêra, Fernando Mora Ramos, Filipa Francisco, Nuno Rebelo, Paulo Ribeiro e Vítor Rua, entre outros —, promovendo as suas obras e assinando criações vídeo originais. 
Desde 1996, tem realizado inúmeros projetos de vídeo-arte, documentários e videoclips como pioneiro do videojamming (VJ). 
Participou em programas educativos inovadores, difundindo a arte em escolas públicas, como, por exemplo, o Projeto Respira (2009/10). Trabalhou ainda em diversos projetos de desenvolvimento e inserção social com minorias, desde o Alkantara Festival, até uma parceria estabelecida com a Fundação Calouste Gulbenkian (2008/11) e coordenada por Madalena Victorino e Rui Horta.

NOTAS SOBRE O VÍDEO (Re)Visiting | Diana V. Almeida 
Quando aceitei o desafio para fazer um vídeo sobre a exposição realizada na Biblioteca da FCTUNL, pensei usar as imagens selecionadas para New York: ‘A Monument to a City’. 30 fotografias, que esteve em itinerância em quatro American Corners Portugal, entre 2017 e 2018. No entanto, optei depois por regressar à cidade, mergulhando nos arquivos fotográficos dessa viagem para fazer nova seleção. Estas fotografias são cruas e caóticas, em contraste com a proposta mais clássica, tanto em termos composicionais como temáticos, apresentada à Embaixada dos EUA em Lisboa, cujo patrocínio cobriu a impressão das fotografias então expostas.
A colaboração com o videasta e amigo João Pinto é um privilégio que muito aprecio, e agradeço o apoio da Biblioteca da FCTUNL, na pessoa do seu diretor, o Professor José Moura, que tornou possível a materialização deste trabalho. 
Para ver as novas imagens com legenda, fui repescar (entre os cadernos de escrita, em desordem cronológica) o diário de Nova Iorque. Assumindo um registo fragmentário, interajo aqui com as entradas diarísticas como citação de “outro eu”, pois reconheço o fluxo identitário na intensidade experiencial da vida. Como último apontamento, gostaria de acrescentar que a viagem decorreu entre os dias 8 e 19 de julho de 2010 (e, neste exercício, reparo que errei o ano no texto introdutório do catálogo por mim impresso para a exposição).
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As runas que tirei para mapear caminho diziam — possessões, movimento, sinais.
Viajo dentro do motor, sentada neste ruído informe pelo ar. 
Começa de noite o dia, com a chegada de Doogi, jovem sul coreano que comigo partilha quarto no Hostel Candy. Adivinho a sua entrada antes de ele levar a chave à porta e saio dos sonhos para me apresentar; sugiro que acenda a luz. As horas oscilam depois entre o calor abafado, as molas rangentes da cama superior do boliche, cada vez que Doogi se mexe, o ruído do ar-condicionado, o desconforto da garganta seca, o pijama colado à pele. 
Leio o Lonely Planet de bruços na cama, após breve conversa com Doogi, em meio-lótus no colchão de cima, pela primeira vez saído de casa para o(utro) mundo. Escolho começar por Times Square e seus arranha-céus flamejantes. Walk walk walk. Difícil aplicar a estratégia europeia de conhecer cidades perdendo-me em andamento, já que o traçado geométrico das grandes avenidas demora longos quilómetros a percorrer. Dobro as ruas no mapa e sigo. 
Full day out there. 

Entro num cafezinho que parece um cafezinho (e não caixa provisória, na segurança da repetição em cadeia), com bolos tentadores saindo do forno e alguma desordem. Escrevo frente à janela, vendo os carros crescer na hora de ponta, além do vidro quadriculado. Vem o vento no final da tarde e os transeuntes parecem ainda mais apressados. 
Todos os dias visito o Central Park e caminho descalça pelo relvado step by step, breathing in, breathing out and counting. Raízes de terra para poder suster a energia XL da cidade. Escondo-me entre a parca folhagem e sorrio à câmara, no jogo repetido do autorretrato (com mais ou menos reflexos, que o motivo do espelho é um must nas casas de banho dos museus). 
Met Museum — American Women Types (1880-1930) — Heiress, Gibson Girl, Bohemian, Suffragist, Flapper, Screen Siren. 
À espera de rede, com a rádio espalhando sons no lobby do hostel, de acesso labiríntico por entre prédios altíssimos. 
Ar condicionado full power nas lojas gélidas, onde as meninas da caixa tratam clientes como amigos: Next guest, please. Às compras. 
International Center for Photography — It was not until 1969 that the first mass-produced doll made specifically for black children was marketed. Till then the toy industry had made white dolls fabricated in black plastic. 
A câmara processa espectros de luz num algoritmo. On a different level, como constrói a fotografia a realidade, a identidade, marcando memórias, delineando narrativas (pessoal, familiar)? Artefacto cultural curioso. 
Nos museus vejo de frente tudo aquilo que estudara em reproduções. Tomo notas — Rauschenberg interested in personal memory; Warhol in social experience. Both helped establish the concept of art as archive for information. 
Pelo Central Park elejo meandros, repuxos onde crianças brincam a ser regadas, rindo de calor. Mas hoje, na rua em frente, antes de entrar, diz-me um homem que tocava à campainha de um prédio: Nice toes. Sorrio, animando o começo da manhã lenta, I have nice toes I have nice toes, e recordo os amantes que começaram por me beijar os pés. Caminho. 
Quase meio-dia, no asfalto o braço do calor dobrado ao corpo. E o alvoroço de ver o Guggenheim, espiral sobre espiral diante dos meus olhos. 
Toca Femi Kuti no Lincoln Center. Solto a dança fechada nestes dias regrados, suportando a devassa dos repórteres a quem acordei entregar a minha imagem para qualquer fim, segundo condições afixadas à entrada do recinto. Viro costas à lente e abro braços, em semi voo. Doogi aceitou o convite; ouvira pela primeira vez música africana no meu iPod, há umas horas no hostel; I had never danced in my life, comenta depois do concerto, sorriso aberto. 
Espero lugar no computador #10, de onde sai agora um black com a t-shirt I love NYC. Sala gigantesca da biblioteca central, com nuvens cor-de-rosa no painel do teto esculpido a dourado. 
Women’s Literary Creativity and the Female Body. Diane Long Hoeveler and Donna Decker Schuster / JFD07-4924 
Anoitece em Nova Iorque. Do cansado nasce a nostalgia, saudade de casa, da floresta, do corpo colhido num abraço, falha mais notória no feixe de energia cruzada em caos penetrante, refratário. E parece-me muito longe a terra, escondida por metal e cimento, pelo ruído do trânsito competindo velocidade, motores em disputa. Pesa-me o ar. I can’t breathe. 
Nos últimos dias recolho a casa da Laura Simms (Storyteller, Author, Humanitarian), onde será mais fácil gerir este excesso, Deus queira. 
Pausa. Escrevo postais aos amigos agora. 
5th Av. A cidade chama, desenha mais desejos entre portas, ocupada pelo estrépito das ruas, sobreposta dissonância de facetas plurais. 
E aqui está Brooklyn Bridge, nova catedral, quando o engenheiro rouba lugar ao cowboy frente aos destinos da nação. De patas no rio, BB ergue seus arcos góticos para os super-heróis (em troca de alguns operários mortos, da misteriosa tumefação dos membros dos sobreviventes e do próprio engenheiro falecido, sendo sua mulher quem tomará a cargo a obra, coordenando os jornaleiros). 
E antes de regressar ao Whitney, sentada no chão do planeta, quero anotar a emoção tremenda ao avistar do autocarro um homem, caminhando no outro lado da rua (camisola de manga comprida às riscas azuladas, barba, cabelo rapado para esconder a calvície emergente). Ímpeto de ir ao seu encontro, pulsante de desejo. E depois, na paragem imediatamente a seguir, vejo que vai entrar, e bate-me o coração descompassado. Senta-se na fila detrás, no lado oposto ao meu, e observo-o de soslaio durante várias ruas, em contagem decrescente até à 72nd St. Saio (abanando plumas para que me veja). E a sua presença ocupa-me por longos instantes ainda, entrando no museu. Como explicar emoções remexidas assim do nada? 
The (image of the) body as a social and political force. 
À espera de Miranda, creative writing instructor, em Bryant Park — entre travagens bruscas, wannabe writers à conversa nas mesas limítrofes, a invejável projeção de voz da professora de yoga no relvado lateral, o carro dos bombeiros de sirene uivante e um dos organizadores ao microfone agora, anunciando... No workshop da Miranda, não me apetece escrever, tão pouco convincente se mostrou ela, na pose de autora em ascensão, fazendo carinhas para ter graça, caricatura da American girlish-woman, esganiçada. 
Escrevo por amor 

à palavra correndo-me 
da mão pela brancura 
da página limpa. 

De manhã busco a casa da Laura sob chuva, o peso dos livros novos exponenciado pelo cansaço de mais uma noite insone no hostel, onde Doogi se despediu pesaroso e muito correto, segurando-me a porta. E que surpresa as escadas inclinadas até ao sorriso da Laura, o loft como nos filmes que pensamos impossíveis, cheio de recantos, estatuetas de bichos, segredos de viagens pelo mundo. Chá e conversa sobre o ofício de contar para curar, sobre o filho adotado (ex child-soldier and best-selling author with his memoir). Estamos ligadas; assim é, diz ela, e saúda-me com dois beijos na face. 
A Laura mora ao lado da livraria Strand. E mais não digo. 
E do MoMa que quadro levarias tu para casa? 
Minimalists explored how our physical presence brings meaning. 
A minha performance de homenagem às irmãs artistas estende-se por seis páginas em letra miudinha, enumerando todas as fotógrafas presentes na exposição Women Photographers. 
Visiting museums is a full-time job! 
À espera do M103, após ter esperado pelo M1, e viajado já noutros dois Ms, no que se revela um difícil regresso à BB, cuja barriga espreitara do cais. Depois, partilhando banco com um casal francês no dorso da ponte, toca-me a emoção e o cansaço. O sol põe-se sobre o rio Hudson, estremece a estrutura sob o peso dos automóveis, os turistas fotografam com flash o metal reticulado. E de volta ao M final: Whatever you have just put in, mam, diz o condutor, aceitando os meus míseros 45c. pelos 2,25$ da viagem, quando descubro o bus card esgotado. God bless him! 
Sonhos vívidos. Estado de emergência, perigo de ataque, o jogo do medo. Acampamento geral na floresta, a minha mãe, o meu pai, amigos chegando em vagas. Eu conduzia com nervos e inépcia uma bicicleta, um carro pela cidade (algures entre a Avenida 24 de Julho e Nova Iorque). 
No avião fico ao lado de Juan, que se recusa a filosofar. Jantar vegetariano péssimo (ou pior ainda se possível). Estamos parados, com 2h de atraso, segundo o relógio de pulso do meu companheiro do lado. E surge, então, sob a janela, encostado à parede, o pé grotesco da passageira do banco de trás, unhas pink, muito velhas ou sujas. O sono aperta as pálpebras de tanto ar canalizado, tanta espera. Por fim, voamos. 
Constant motion contains all possible forms of movement. 

Sintra, novembro, 2020





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